Histórias de Moradores de Ilhabela

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar o acervo de vídeos e histórias com depoimentos dos moradores.

História da Moradora: Karin Poljana do Vale Ludwig
Local: São Paulo
Publicado em : 07/10/2014

Cantando e chorando

Sinopse:

Karin é uma extrovertida advogada que sonha em largar a advocacia para se dedicar a escrever roteiros de reality show. Em seu depoimento ao Museu da Pessoa, Karin fala sobre a origem da mãe, nascida em São Sebastião, e do pai, iugoslavo de origem austríaca. Relembra a infância e brincadeiras nas praias e fazendas de São Sebastião e Ilhabela. Fala das escolas em que estudou e como se decidiu pela carreira de advogada ao assistir um júri em um caso de homicídio. Conta uma história bem divertida sobre uma apresentação de um coral no qual atuava. Por fim, fala da criação de um reality show para TV para o qual tem dedicado seu tempo e também, como se tornou doadora do projeto Criança Esperança.

História:

Meu nome é Karin Poljana do Vale Ludwig, nasci em 29 de janeiro de 1971, em São Paulo. Minha mãe é Marieta do Vale Santos, nasceu em 1941 em Ilhabela. Meu pai é Salvino Ludwig, ele nasceu na Iugoslávia. Ele veio com a minha avó e com o meu avô, a história que eles contam é porque eles estavam fugindo da Segunda Guerra, meu avô tinha sido recrutado pra lutar por Hitler e não queria. Meu avô é austríaco, mas morava na Itália. Meu pai chegou a fazer a Marinha Mercante na Itália uma época também, então ele sempre cuidou da parte de embarcação basicamente fazendo vistorias em navios. Ele seguiu a vida toda fazendo isso. A minha mãe é formada em Pedagogia e a vida toda ela deu aula pra criança. Meu irmão é Kilian Axel do Vale Ludwig e ele também está na área de embarcação, de vistoria de navio também, seguiu o meu pai.

Meu pai é uma pessoa bem calma. Assim tranquilo, absolutamente tranquilo, nunca brigava, uma pessoa bem calma. Minha mãe já é mais agitada. Minha mãe conta que são descendentes de portugueses e espanhóis. Por parte de pai são iugoslavos e austríacos. E a família da minha mãe lá de Ilhabela. Cresci em um bairro maravilhoso de São Sebastião que chama Pontal da Cruz. Ele é um bairro residencial assim de casas grandes, todas as casas lá são grandes, as calçadas de aqueles paralelepípedos. A gente brincava muito na rua, muito mesmo, tinha os vizinhos da casa da frente e naquela época não tinha problema a gente brincar na rua. A gente vivia ou na praia ou na rua e também subindo tinha umas fazendas. Então a gente comia amora no pé, carambola, jaca, limão cravo, bebia água em riacho, fazíamos piquenique.

A escola também era muito boa. Eu lembro assim, bem pequenininha e eu tinha um cabelo na cintura e minha mãe penteava aquele cabelo, trançava, fazia fita, passava creme, ela que cuidava do cabelo. Eu lembro que eu era apaixonada por um menino da escola. Era Denis, o pimentinha. Foi o meu primeiro amor e a minha primeira desilusão porque numa das brincadeiras tinha um mastro da bandeira, ele pegou as minhas duas tranças e me amarrou no mastro pelas minhas tranças. Fiquei amarrada lá.

A escola eu estudei uma época num prezinho que eu não lembro o nome da escola, mas acho que era na Rua Nossa Senhora da Paz, depois eu fui pra escola do Pontal e depois eu fui pro CENE, que era uma escola lá no Centro também. Quando eu era menor os meus pais iam me buscar, buscar e levar, depois a gente ia de ônibus. Ia uma turminha junto, a gente ia de ônibus. Eu não lembro se tinha ônibus escolar, eu acho que não, mas ia sempre o mesmo grupinho, a gente morava perto e estudava na mesma escola, então a gente ia de ônibus. Eu gostava muito da aula de educação artística. Era a minha melhor aula. Pintava, desenhava.

Minha mãe me colocava em tudo, era balé, era aula de violão e colocou no piano. O piano eu fazia aula com uma professora, era sempre a mesma professora, Ana Maria, eu cheguei a tocar um pouco, mas aquilo assim, eu não era fã do piano. Na verdade na música eu fui me descobrir cantando mais velha quando eu entrei num coral. Eu fiz um teste, o maestro falou: “Você é soprano”. E eu comecei a cantar. No canto é que eu me descobri. Então tocando instrumento todas as aulas que eu fiz, piano, violão, é assim, um zero a esquerda. Mal e mal dá pra tocar do ré mi fá. Mas cantando realmente foi onde eu tenho prazer de cantar. O coral era um coral patrocinado pela Petrobras, meu maestro é falecido. Eu comecei a fazer o canto, fui gostando, a gente fazia algumas apresentações, chegamos a gravar um LP.

Gravamos aqui em São Paulo no Teatro Municipal com a Orquestra Municipal de São Paulo. Foi a primeira vez que eu pisei num palco, então foi assim muito emocionante. Foi uma coisa assim incrível mesmo porque a gente não sabia o que ia acontecer. Nós não éramos habituados a palco, a gravação, nada disso. Ensaiamos, vamos gravar. A gente apresentou Villa Lobos as Bachianas. Músicas de Villa Lobos. O que eu fiz? A louca querendo aparecer. Comprei uma maquiagem que era um glitter pra passar em cima dos olhos, só que o glitter daquela época não é essa coisa que a gente tem hoje, fininho. É um brocado, um negócio duro, sabe?

Bom, aí fui, enchi os olhos aqui, eu fiquei a cara da viúva Porcina, um batonzão vermelho com um glitter dourado e subi no palco achando que ia arrasar. Bom, ligaram os refletores com a luz amarela, tanto de um lado como do outro. Primeiro me cegou, segundo que aquilo era um calor, começou a derreter o tal do glitter. Eu cantando, o glitter derretendo, entrou dentro dos dois olhos, eu não enxergava nada, começou a cortar o olho, arranhar. O que saía de água do meu olho, acho que o pessoal que estava lá na plateia falou: “Olha, que lindo, ela está emocionada”. Eu estava ficando cega, mas o show não pode parar, eu cantando mesmo cega lá. Cantando, chorando, não enxergava nada, o glitter todo dentro do olho. Aí enfim acabou e o público ficou batendo palma de pé uns cinco minutos.

Uns cinco minutos. Aí foi quando apagaram aquele bendito daquele refletor amarelo, acenderam a luz da plateia e a gente viu todo mundo em pé nos camarotes aplaudindo muito, muito, muito. A gente cansada de agradecer, né? Chegou uma hora, o povo não parava, falei: “Gente, eu acho que vão invadir aqui o palco, vão agarrar a gente”. Aí eu já comecei a olhar pros lados assim pra coxia pra ver pra onde que eu ia fugir do negócio. Eles não paravam, não paravam até que pararam de bater palma. Então foi muito bacana assim, tirando o mico da viúva Porcina chorando e completamente cega. Tive que ir ao oftalmo, estava com o olho todo arranhado, o oftalmologista falou: “O que você fez aqui, cara?” “Enchi de glitter, eu não sabia que ia ter essa luz forte e derreteu”. Eu devo ter virado um monstro ali em cima do palco.

Apesar de eu desenhar bastante, de gostar de cantar, não me vinha na cabeça o que fazer. Até os meus praticamente 18 anos eu não sabia o que fazer, até o dia que eu fui assistir um júri, júri de um caso de homicídio levado ao voto popular ali, e no júri eu sentei na plateia e ali eu falei: “Vou ser advogada”. Eu me decidi ali. Logo depois eu já prestei o vestibular, já passei.

Fiz a faculdade, fui fazer exame da OAB, fui aprovada na primeira fase com a maior nota da banca no exame oral. Fiz a faculdade em São José dos Campos. Eu ia e voltava todo dia de ônibus de São Sebastião pra São José. A gente saía às cinco da tarde, chegava umas sete e meia, a gente chegava uma meia noite em casa todo dia. Só estudava. Pude me dar ao luxo de só estudar. Fui fazer estágio, quando eu fiz estágio na promotoria os professores, promotores falaram: “Não seja advogada, seja promotora. Você tem perfil de promotor”. Eu não segui o conselho deles, mas eles me avaliavam como promotora: “Estude pra promotora”. Eu fiquei acho que um ano e pouco. Quando eu me formei eu fiquei um ano procurando emprego, vim aqui pra São Paulo porque lá em São Sebastião o campo era muito pequeno pra advocacia, muito.

Eu não achava trabalho lá, eu decidi vir pra São Paulo. E aqui eu penei, comi o pão que o Diabo amassou, fui morar de favor num lugar bem pobre, o colchão era cheio de pulga. Fiquei um ano batendo cabeça aqui e a grana assim estava no limite, eu dei pra mim, falei: “Vou ficar mais uma semana aqui senão eu volto pra casa”. Nessa noite que eu falei que eu ficaria mais uma semana eu sonhei assim com o que eu gostaria de fazer, que é sempre no lado de defender as pessoas. Isso foi num dia, no outro dia eu vi um anúncio no jornal numa associação de defesa de consumidores, fui fazer a entrevista e passei e fiquei lá durante dez anos. Eu já cheguei elaborando ações, elaborando petição, depois trabalhando normalmente no processo, fazendo audiência, assembleias, reuniões, atendendo cliente. Nossa, era bem puxado. Bem puxado. Era na rua Boa Vista. Eu adquiri um imóvel, minha casa.

Eu achei exatamente o que eu queria num lugar muito bom. Nossa, eu vivia dançando pela casa assim. Foi maravilhosa. Eu trouxe os pais pra conhecer, os amigos, aquela coisa toda. É que eu me lembro de outro fato. Quando eu entrei na minha casa pra comprar, como eu era advogada eu fui pega pra Cristo. Existia um problema lá com o atual síndico, um problema de prestação de contas e quando o pessoal soube que quem tava adquirindo o imóvel era uma advogada, eles me cercaram lá embaixo: “Está acontecendo isso, isso, isso...”. Então eu tive que atuar como advogada lá pra resolver esse problema do condomínio, entrei meio que no... Era um problema, enfim, que demandou um processo na justiça, uma trabalheira danada, uma briga e assembleias. E já me enfiaram como síndica sem eu querer.

Com 26 a 31 eu casei. Eu casei assim, eu não casei no papel como falam, eu fui morar com uma pessoa, eu terminei esse relacionamento eu acho que com 31 anos e depois eu só namorei. Namorei um, namorei outro. Eu o conheci porque ele prestava serviço num shopping em frente onde eu trabalhava. E eu olhei, falei: “Hum... Que gato. Vou pegar”. Era dificílimo, menina, porque chovia mulher em cima dele. O apelido dele era Tom Cruise. Ele não tem nada a ver com o Tom Cruise, mas de tão bonito apelidaram como Tom Cruise. Era uma concorrência, mas quando eu coloco meu olho de tigre eu falo vou casar com você, eu vou casar com você. E eu fui lá, vai que vai e deu certo. Na primeira vez que a gente ficou ele também acabou gostando de mim, tudo.

Eu continuo advogando, mas eu me descobri o lado criativo falando bem mais forte.

Eu comecei a escrever coisas soltas assim, ideias que eu tinha pra quadro de TV, eu me dediquei a escrever um reality show. Esse reality show é inédito, ele é totalmente interativo, coisa que não existe, passou a existir agora porque esse reality ficou aberto na internet. Tanto tempo fazendo análise pra descobrir que o que me deixava estressada era o fato de eu não exercer o meu lado artístico. E eu não sabia disso, eu não sabia. Em português é Os recém chegados e em inglês é The newcomers. Larguei a advocacia há uns três anos. Eu abri uma empresa formalmente assim só pra poder fazer os registros etc. e tal. Tentei vender, passei pra vários e-mails que eu tive, mas não rolou. Eu fiz um curso, ele foi selecionado por uma Startup do Sebrae agora. Nessa Startup do Sebrae foi excelente, foi um aprendizado muito bom porque eu o pivotei.

Eu já sou doadora de outro projeto, eu fiz um curso pra terceiro setor, eu fui fazer alguns trabalhos voluntários, então eu já tenho isso em mim. O Criança Esperança eu me lembro dos shows, lembro-me do Didi, lembro-me da Xuxa... Eu decidi doar como eu decidi fazer as outras ações, mas o que me marca mais ultimamente tem sido esse feedback, esse retorno mostrando onde é que o dinheiro está sendo aplicado, aquelas pessoas, isso eu acho que foi fantástico. Eu tenho acompanhado bastante. Eu acho que tem umas três vezes, não faz muito tempo, não. Porque às vezes eu estou doando pra outra instituição. Mas eu sempre estou fazendo doação, não importa pra onde.

O conhecimento é o que eu assisti na televisão, basicamente. Um dos projetos culturais e educacionais. A transformação que eles proporcionam porque eu costumo dizer assim, não dá pra ser feliz sozinho, por mais que você conquiste coisas, enfim, você não tem como ser feliz sozinho. Tem uma frase do Martin Luther King que ele diz assim, basicamente, é preciso pouca coisa pra você ter uma ação transformadora, realmente transformadora na vida de uma pessoa, amor no coração e sorriso nos lábios. Eu acrescento assim, amor no coração, sorriso nos lábios e uma ajudazinha. Essa ajudazinha que a gente vê pelo Criança Esperança, a transformação tão grande que ela faz na vida de uma pessoa.

Porque é aquela coisa, todos nós somos dotados de habilidades, capacidades em N situações, aquela pessoa precisa de uma oportunidade e com a sua doação de 40, 50, sei lá, você consegue dar essa oportunidade, fazer a transformação. Ele dá a oportunidade que tava faltando pra ser a transformação da vida daquela pessoa. Então projeto cultural, aula, seja o que for, você está dando exatamente o que aquela pessoa precisa pra deslanchar. É menos uma pessoa em situação de não oportunidade. Ali ela está tendo tudo, pessoas boas, contatos ótimos, a aula, o conhecimento. Está entregando aquele tempo, o maior bem que a gente tem, a coisa mais preciosa que a gente tem no mundo é o tempo. Ele não volta atrás. Ela está usando aquele tempo pra ela crescer, fazer alguma coisa pela vida dela, pela família dela, pra se transformar, pra se realizar. O que a gente busca na vida? É realização.

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